às vezes acordo de noite para nascer. ponho-me sentado na cama a pensar. há qualquer coisa em mim que se inclina para a ideia de que o pensamento redime. tento lembrar-me. o primeiro gesto do pensamento é reconstituitivo: o que fiz em 1998? como é que foi o meu primeiro emprego? quando é que comecei a fumar? a minha primeira noite com uma mulher. é uma história assim apresentada aos solavancos. há qualquer coisa em mim que me diz, ou tenta dizer, que se eu conseguir manejar o passado com alguma agilidade vou ser feliz. e quando assim penso faço um voo picado sobre a memória e lembro-me do que posso. até onde posso. até ao momento em que me apercebo que a única coisa que me devolve à vida é a ideia de me poder consagrar ao extremo exercício da bondade. não ao ser bom, que isso, é trabalho de uma vida. ao exercício da bondade enquanto forma tentada. é um movimento de fora de mim para dentro de mim e de dentro de mim para o que me é exterior. eu gostava de ser capaz de não perder tanto tempo com coisas que não têm nenhuma importância para o que realmente conta: a propagação da bondade na vida de todos os dias. nunca consegui aproximar-me da bondade. o lugar em que estive mais perto dela foi o da sua ideologia, a bondade enquanto ideologia; ideologia da bondade, tanto no que se refere ao mundo colectivo como no que toca ao mundo individual. eu queria participar na comunidade e queria ser bom. mas isso não é ainda ser bom nem da bondade. é ser da ideologia e a ideologia, tal como a linguagem, são menos as coisas do que as coisas são no seu estado bruto. a bondade não é senão isso: a operação que faz das coisas, coisas; das pessoas, pessoas; dos bairros, bairros. e quem diz bairros diz cidades, lugares, comunidades, países, o universo inteiro. se me perguntarem como é que eu gostaria de morrer, tenho a resposta na ponta da língua: do mesmo modo como gostaria de um dia ser capaz de viver. desfazendo-me no extremo exercício da bondade.
26 de junho de 2008
o extremo exercício da bondade
Publicada por JPN à(s) 3:40 da manhã
Etiquetas: Pensar quando parece que chove mais, vida
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Acredito que somos bons, que a bondade é-nos intrínseca e reconheço nela um estado de Graça. Mas quantas vezes o ego se cobre com roupagens e necessidades supérfluas que impedem o essencial de se manifestar como estado natural, e não como virtude? Talvez despidos de tudo, à nascença e na morte, é que esse estado se revele.
ResponderEliminarPosts.Enfim!
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