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a experiência humana só terá sentido se algo para lá do humano vier em nossa ajuda, em nosso socorro. o nosso drama é que a única coisa que desse género ou natureza parece poder vir é a morte, a nossa própria morte.

20 de julho de 2005

Até onde poderemos ler Jornais?

1. A entrevista. Guardem o DN de ontem e de hoje. Complementem-no com as notícias saídas pelo lado do Palácio das Necessidades. É um oportuno objecto de análise sobre a pressão a que o trabalho jornalístico está sujeito. Filipe Santos Costa e Lumena Raposo assinam um excelente trabalho. Freitas do Amaral também esteve particularmente feliz. Entrevistadores e entrevistado podem dar-se por muito satisfeitos principalmente pelas condições em que referem ter sido feita a conversa.

2. O lançamento. Há no entanto algo que se nota que não está ao mesmo nível da entrevista. O seu lançamento na primeira página ontem e hoje. Ao ler hoje a entrevista compreendemos que o DN está perfeitamente seguro daquilo que publicou, lemos também que Freitas do Amaral tem algumas razões para não querer voltar a dar uma entrevista ao DN nos tempos mais próximos.

3. A qualidade da democracia. Há uma concepção do trabalho jornalistico que é paradoxal quanto à sua finalidade e isso é bem revelado no editorial que a Direcção do Jornal fez em relação à repercussão havida: embora assinalem que é bom para a qualidade da democracia que os ministros mantenham a sua capacidade de produzir juízo procedem a um lançamento que ao focalizar-se totalmente numa autocrítica de Freitas em relação ao trabalho de comunicação e marketing do Governo, acaba por ser desencorajador para que outros ministros, com menos peso do que Freitas, possam fazer o mesmo. È claro que os jornais têm estratégias próprias e não são obrigados a trabalhar em prol da qualidade da democracia principalmente quando esta pode entrar em conflito com a natureza concorrencial a que hoje está ligado o produto jornalístico. Mas então também talvez não faça muito sentido alardeá-la. Porque se dizemos que é bom que haja ministros que pensam pela sua própria cabeça e se tratamos aquilo que eles dizem como se fossem bombas de fragmentação política é legítima a dúvida sobre a sinceridade deste discurso sobre a qualidade da democracia. O melhor seria fazer do pensamento elegia em acção, em movimento, mas, não o conseguindo, alguém tem de em algum momento da vida dos jornais ser capaz de parar para pensar.

4. Manipulação Indecente. Freitas do Amaral fala em manipulação indecente. É uma alma ferida que fala, sem dúvida. Outra teria descortinado que não há manipulação decente. O mais grave de tudo é que há mesmo manipulação. A manchete de terça-feira diz que Freitas aponta falhas de comunicação do Governo e diz que ele também critica a promessa eleitoral de Sócrates de não aumentar impostos. Na página 11 Filipe Santos Costa começa o seu texto por dizer que Diogo Freitas do Amaral considera que houve falhas na forma como o governo apresentou as recentes medidas de austeridade e inscreve tudo isto num exercício de auto-critica. E não é indecente porque ninguém de bom senso consegue ver ali um desejo expresso de destruir Freitas ou o PS, ou seja lá o que for.

5. Manipulação. O problema é que parece que hoje já não é possível fazer jornalismo sem estar sempre neste limbo da manipulação. O jornalismo conta histórias, histórias que não lhe pertencem, histórias que já contou e é através delas que reconhece as personagens. Mais, porque se projecta naquilo que esperam dele e porque quando assim o fazemos geralmente tendemos a construir uma imagem muito imobilista e conservadora do público. Nesse quadro estático os pré-juizos são extremamente eficazes. E não é possível pensar em Freitas do Amaral sem o instalar previamente na seguinte redoma narrativa: centrista, independente, não socialista, indomável. E por isso não parece pecado mortal dizer que Freitas criticou o Governo em vez de se afirmar, como seria mais correcto, que ele se auto-criticou enquanto governante. A manipulação existe porque na totalidade da entrevista Freitas mostra que para o melhor ou para o pior está inteiro neste governo e o lançamento de terça-feira dá exactamente a ideia contrária. Essa é uma nódoa que caiu na primeira página mas sejamos honestos: é preciso muito mais do que uma manipulação de uma 1ª página de um jornal para que ela tenha algum significado politico.

6. O lobo e o cordeiro. A manipulação hoje faz parte do trabalho jornalístico e o DN tem razão ao dizer que Freitas do Amaral já tem idade política para não se meter na boca do lobo. A única coisa que não se percebe é uma certa tendência dos jornais - e neste caso do DN - em assumirem que são lobos e a quererem continuar a disfarçar-se de cordeiros.

7. A manchete. A primeira página do DN de hoje é tão ruidosa que chega a ser triste. Na caixa alta das televisões à hora do almoço a gritaria entra em escalada. E ninguém explora a questão mais importante: como é que é possível que a cinco meses de uma eleição presidencial não haja candidatos? É isto o lodaçal, o pântano?

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