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a experiência humana só terá sentido se algo para lá do humano vier em nossa ajuda, em nosso socorro. o nosso drama é que a única coisa que desse género ou natureza parece poder vir é a morte, a nossa própria morte.

23 de fevereiro de 2010

Reservar o direito do lugar

este é um dos poucos lugares expressivos do meu mundo em que eu venho sem ter nada para dizer.

a que acorro só pelo privilégio dessa ilusão quase juvenil de poder estar um pouco comigo.
e com as coisas que perdi: a solidão. o recolhimento. o espaço de dentro, o de fora.
o confronto comigo mesmo, as ideias de aperfeiçoamento
e de história.
a história como um movimento de um tempo para o outro.
não me ocorre nenhum tipo de nostalgia pelo tempo que passou. nem anseio pelo que virá. não consigo no entanto dissociar-me daquela sensação de bem estar que me dá o trabalho de lembrar. de tecer circunstâncias. características.

o facto de aqui vir tão poucas vezes, diz tudo sobre mim, sobre a minha vida, sobre o meu momento,
sobre a auto-satisfação com que me entrego às coisas.

este é, verdadeiramente, um lugar. um sitio de paredes negras. como se fosse uma caixa preta. um teatro.

apercebo-me: tenho, cada vez mais, uma estranha forma de falar. venho aqui, em silêncio, e em silêncio me vou, passado uma hora, às vezes duas, com a folha ainda em negro, um negro tão expressivo, como se tivesse ficado vazio de tanto dizer.
não vou totalmente satisfeito com o que expressei. Mas também a verdade é que a
expressão nunca me deu felicidade.
talvez alívio.
felicidade não. eu dizia e falava e na minha louquacidade sabia que tinha de voltar no dia seguinte, e no dia depois do dia seguinte,
e mais uma vez,
até que este mal estar se dissipasse.
e de cada vez que escrevia, que dizia, e poderia falar do que quer que fosse,
o mal estar crescia mais, mais, cada vez mais,
e tudo isto como se fosse um circulo vicioso interminável.


não me lembro de quando comecei a falar para dentro.
a sorrir diante das palavras que se dissipavam no ar como se fossem
aquelas argolas de fumo que eu fazia quando aprendi a fumar.
era como se eu olhasse a linha de horizonte e visse uma dança de letras,
de palavras,
que decerto tinham fugido de mim.


e eu cada vez mais contente comigo.
eu dantes pensava que só os imbecis eram contentes consigo mesmos.
hoje já não sei.
escrever o que não escrevo faz-me feliz.
um pouco menos solidário, eu sei.
poderia dizer que há na minha não-escrita uma solidariedade
com aqueles que sofrem com a poluição das palavras
em catadupla,

mas não seria verdadeiro nem com as palavras que não digo,
nem justo com a ferida que o não-dizer faz em mim. E
isso obrigar-me-ía a fugir do silêncio e a refugiar-me na explicação
da minha original não imbecilidade.

a verdade é que me tornei um imbecil.
deixei de me angustiar com a possibilidade de haver qualquer coisa que
eu não compreendo no meio disto tudo. é uma ironia da vida: hoje o que
verdadeiramente me apoquenta,
ao ponto de uma noite tranquila poder de repente transformar-se numa
violenta tempestade,
é a heuristíca,
a descoberta inadvertida.

As minhas noites mais tranquilas são aquelas onde
adormeço com o enigma do universo.

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